"Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor". João Guimarães Rosa

16 junho 2005

CARTAS DE CLARICE

Belo Horizonte, 13 de julho de 1941

Hellô, bem

Está tudo direito, agora. Antes de partir falei com aquela pessoa por causa de quem eu me encontrei com V. de noite. Não aludi à carta principal e só falei das outras que vieram com belíssimas flores, morangos e outras coisas.

Houve um momento em que me disse: S está tonto porque V. vai embora. Menti: “certamente entra aí um pouco de álcool. E, nesse caso, eu sempre desculpo”. Não olhei para ele, não quis ver a reação. Voltei para casa triste com a meia perturbação que eu notara. Mas eu me tinha prometido ser outra, não é? Fiquei defronte do espelho e fiz uma cara belíssima: uma mistura de Nicolau Couro de Cobra com a tua Amélia (Vi tua Amélia no trem; e para o meu desapontamento... ela me sorriu amavelmente. Quem sabe? Se você também lhe tivesse dado uma oportunidade...)

Eu pretendia chorar na viagem, porque fico sempre com saudade de mim. Mas felizmente sou um bom animal sadio e dormi muito bem, obrigada. “Deus” me chama a si, quando dele preciso.

Quanto a teu fantasma, procuro-o inutilmente pela cidade. As mulheres daqui são quase todas morenas, baixinhas, de cabelo liso e ar morno. Aliás, quase que só há homens na rua. Elas, parece, se recolhem em casa e cumprem seu dever, dando ao mundo uma dúzia de filhos por ano. As pessoas daqui me olham como se eu tivesse vindo direto do Jardim Zoológico. Concordo inteiramente. Para não chamar atenção, estou usando cachinhos na testa e uma voz doce como nem Julieta conheceu.

Que mais? Eu tinha vontade de escrever outras coisas. Mas você diria: ela está querendo ser “genial”.

Encontrei uma turma de colegas de Faculdade em excursão universitária. Meu exílio se tornará mais suave, espero. Sabe Lúcio, toda a efervescência que eu causei só veio me dar uma vontade enorme de provar a mim e aos outros que eu sou mais do que uma mulher. Eu sei que você não crê. Mas eu também não acreditava, julgando o que tenho feito até hoje. É que eu não sou senão um estado potencial, sentindo que há em mim água fresca, mas sem descobrir onde é a sua fonte.

O.K. Basta de tolices. Tudo isso é muito engraçado. Só que eu não esperava rir da vida. Como boa eslava eu era uma jovem séria, disposta a chorar pela humanidade... (Estou rindo.) Um grande abraço da
Clarice

P.S. – Hotel Imperador. Pça. Rio Branco, 744-748 quarto n.° 302 – Belo Horizonte

P.S. – Esta carta você não precisa “rasgar”...

Carta escrita a Lúcio Cardoso
CORRESPONDÊNCIAS CLARICE LISPECTOR –Organização de Tereza Monteiro

12 junho 2005

OS CAMINHOS DO APRENDER A VIVER

Uma das características do ser humano é a sua capacidade de fazer projeções de atitudes que venham a tomar. No entanto, a aprendizagem da vida se dá por comportamentos vividos, experimentados. Uma boa metáfora sobre esta aprendizagem é a frase de um filosofo: “a coruja de Minerva só levanta vôo ao entardecer.”

Não há dúvida, que a inteligência humana colabora com a dura tarefa de viver. Quando se levanta hipóteses possíveis para um comportamento a ser praticado, nos é permitido com isso fazer escolhas que consideramos, logicamente, mais acertadas naquele momento. Evidente, que está capacidade de projeção se torna restrita, a medida que ela não leva em conta as diversas variáveis da experiência humana, quando em contato com o ambiente em que foi praticado. Porém, é neste momento que se apresenta uma outra qualidade do homem: a flexibilidade. Quando ele vê que a escolha feita por ele, não foi a melhor, quase que instantaneamente ao ato praticado, faz ajustes necessários para uma melhor satisfação dos seus anseios. Logo, mesmo que de maneira precária, a projeção é uma aliada no aprendizado do viver, quando aliada a experiência.

No entanto, para aprender a viver, não existe melhor maneira do que se lançar na vida. É mergulhar e seguir o seu curso. Por mais que especulamos sobre a vida, nunca que a especulação nos permitirá saber, quando o rio da vida passará por um terreno acidentado ou por um precipício e neste caso a queda é inevitável, mas o seu curso, para muitos, costuma ser longo, passando por planícies, vales, se encontrando com outros rios até chegar ao oceano, destino de todos os rios. Só que é com a experiência adquirida neste percurso, é que se aprende a viver.
Portanto, a vida não é para ser pensada. O pensamento mata a vida. Ela deve ser saboreada, como se saboreia uma comida, nem sempre ela agradará o nosso paladar. Mas, paciência, aprender a viver é aprender que a vida tem diversos sabores, a maior parte dela é mesmo azeda e amarga. É possível sonhar que ela pode ser doce, mas é um desejo, muitas vezes abortado pelas circunstâncias da existência. Viver dá trabalho, nos desgasta e nos faz sofrer.

10 junho 2005

"UM PARADOXO ADORÁVEL E DESALENTADOR"

“(...) no coração de toda realidade existe uma pergunta, e não uma resposta. Quando examinamos os recessos mais profundos da matéria ou a fronteira mais remota do universo, vemos, finalmente, o nosso próprio rosto perplexo nos devolvendo o olhar.”
JOHN HORGAN, AUTOR DO LIVRO: O FIM DA CIÊNCIA – EM REVISTA USP N.° 59 – ARTIGO: FRONTEIRAS E DESAFIOS DO CONHECIMENTO - PÁG. 208-209