Vou publicar sempre que possível, correpondências entre pessoas que marcaram o pensamento ocidental. As cartas revelam muita coisa, sobre a pessoa e as suas idéias. Vejam por exemplo, estas duas correspondências:
Querido amigo,
Quanto a mim, grito: "É isso mesmo!" Você atingiu a verdade e tocou o ponto justo com um agudo dardo. Espero com admiração a continuação do seu trabalho e das lutas que você há de travar com o dogmatismo vulgar. No entanto, você me causa cuidados e desejo, de todo o coração, que não quebre o pescoço. Quero, portanto, aconselhá-lo a não expor seus audaciosos pontos de vista, dificilmente aceitáveis, em pequenas brochuras que pouco ajudam. Sinto que você está profundamente penetrado por suas idéias; é preciso reuni-las para nos dar um livro volumoso, de mais vasta ação. Então, você encontrará e dirá a palavra justa sobre os divinos erros de Sócrates e de Platão, esses criadores, tão maravilhosos, que nós mesmos que discordamos deles, ainda os devemos adorar. Oh, meu amigo! As palavras se elevam como hinos quando consideramos a incompreensível harmonia dessas essências estranhas ao nosso mundo! E que orgulho nos anima, que esperança, quando examinando-nos a nós mesmos, sentimos forte e claramente que podemos e devemos realizar qualquer obra para eles mesmos inacessível!
Até breve,
Nietzsche
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Caro amigo,
Como é bom a gente poder escrever tais cartas! Não existe ninguém, hoje, com quem eu me possa entender tão bem como com você, excetuada uma única (*). Deus sabe que seria de mim sem isso! Mas ele permitirá que nenhum projeto melhor me tente e que possa dispor de muito tempo, para que me abandone ao prazer de lutar com você contra o "socratismo"; porque, para esclarecer um tal problema devo renunciar a toda criação. É preciso que dividamos o trabalho. Você pode muito, para mim. Pode se encarregar de metade do trabalho que o destino me designou. E, fazendo isso, talvez cumpra todo o seu destino. Eu sempre me sai mal de todas as experiências filológicas. Você também se saiu mal das experiências musicais – é bem isso. Como músico, você se tornaria, pouco a pouco o mesmo que eu me tornaria se me obstinasse em realizar trabalhos de filologia. Mas a filologia me ficou no sangue; como musicista, ela é que me dirige. Você, que é filólogo, continuando a sê-lo deixe-se dirigir pela música. Dou um sentido muito sério ao que estou dizendo. Soube por você, como são baixas as preocupações a que se deve restringir hoje um filólogo de profissão – e você soube, por mim, em que inominável chiqueiro tem que se agitar hoje um verdadeiro e "absoluto" musicista. Exponha o que deve ser a filologia e ajude-me a preparar esta grande "Renascença" na qual Platão abraçará Homero e Homero, penetrado pelas idéias de Platão há de ser, pela primeira vez, o sublime Homero...
Wagner
(*) Senhora Cosima Wagner
Correspondências entre Nietzsche e Wagner em – A vida de Frederico Nietzsche – Daniel Halévy. Pág. 51-51