SABEDORIA
Vejo por aí muita criança perguntona e não vejo ninguém com paciência para explicar as coisas a elas. Dá pena. Sobretudo, das menininhas de voz esganiçada, perguntando: Por quê? Para quê? Por isso sou professor . Só peço que não me tratem de tio. Não sou tio de ninguém, não. Sou é escritor.
Vou contar para vocês, tintim por tintim, tudo que sei. Não digo que sei tudo, nem digo que o que sei seja sempre verdade. Quem sou eu? Vou dizer aqui, por escrito, o que acho das coisas desse mundo, com a sabedoria que vim juntando a vida inteira. Não sou velho, mais sou meio erado, antigo.
Sempre vivi de olho aceso, assuntando, querendo entender. Assim é que aprendi: observando. Mais, ainda, aprendi de oitiva, escutando sabedorias alheias e conferindo. Li, também, muito almanaque e revista e fui guardando na cabeça o que prestava. Estudo mesmo, estudei muito demais, mas aprendi pouco. Tome o que digo aqui como minha opinião, não mais. Se puder desmentir, desminta logo. Respeitarei sua opinião. Se não for bestagem rematada, acato. Nada contra.
Conheci muita gente considerada sábia e quis aprender com elas. Não deu certo. Os sábios são muito minuciosos. Cada qual sabe lá sua coisinha e ignora todo o resto. E o resto é o mundo inteiro. Eles são variadíssimos.
Há sábios para toda sorte de coisas. Sábios para bichos – os zoólogos; sábios para plantas – os botânicos; sábios para micróbios – os microbiologistas; sábios para gentes – os etnólogos; sábios para vinhos – os enólogos; até sábios para capins existem – eu não sei é como eles se chamam.
Também há sábios híbridos, que misturam sabedorias para ver se entendem melhor alguma coisa, como os físico-químicos, os químico-físicos, os biofísicos, os geofísicos e outros. Esses doutores formados, que falam com toda a empáfia da sabedoria deles, não são sábios coisa nenhuma. Quase todos são uns ignorantes, como a gente mesmo, só sabem coisas lá da cuca deles, com que ganham a vida.
Há muita gente especializada que, sem ser sábio, sabe alguma coisinha. O diabo é que, quanto mais aprofundam no saber do que sabem, mais ignorantes ficam o resto. Os advogados sabem como enrolar as leis para defender criminosos e ladrões, Vez por outra, defendem inocentes, também. Os médicos sabem algumas das doenças, mas ignoram as outras todas. São muito sujeitos à moda. Quando dão de operar amígdalas, arrancam as amígdalas de todo mundo. O mesmo fazem quando a moda é operar apêndice. Agora, acham que todo mundo está loucão e precisa de pílulas tranqüilizantes, ou psico-qualquer-coisa.
Para procurar médico, a gente precisa, primeiro, prestar atenção para ver que doença tem, senão gasta muito dinheiro à-toa. Ir a um otorrinolaringologista com dor nos rins é perda de tempo: eles só sabem de otites, de dor de garganta e de espirro desenfreado. Os ortopedistas encanam perna quebrada direitinho, mas não sabem nada de quem sofre do coração. Os engenheiros também são especializados demais: o que sabe fazer pontes, só faz pontes; o que sabe fazer casas, só faz casa.
Ás vezes, até penso que quem sabe mesmo é o povo, ou as pessoas que não sabem nada. Mas cada um se vira com o pouco que sabe para ganhar a vida. Se todos os sábios do mundo desaparecessem amanhã, não fariam muita falta. Se o povo acabasse, isso sim seria um desastre. Os sábios morreriam de fome e de sede.
Trate de aprender tudo o que puder. Saber demais não ocupa lugar. Ignorância, sim. A sabedoria anda solta por aí, para a gente aprender o que quiser. Ela está menos nos livros que nos fazimentos, por isso se diz que quem sabe, faz, quem não sabe, ensina.
Se o mundo fosse acabar outra vez, num dilúvio, que faria o novo Noé da barca, para salvar a humanidade? Escolha você entre duas soluções. A primeira seria pegar dez sábios de cada profissão, formados em universidades, e levá-los para uma morraria deserta com seus livros e instrumentos de trabalho. A segunda seria catar na feira uns mil feirantes com suas mercadorias e carregar para o mato. Quem salvaria a humanidade?
Vou contar para vocês, tintim por tintim, tudo que sei. Não digo que sei tudo, nem digo que o que sei seja sempre verdade. Quem sou eu? Vou dizer aqui, por escrito, o que acho das coisas desse mundo, com a sabedoria que vim juntando a vida inteira. Não sou velho, mais sou meio erado, antigo.
Sempre vivi de olho aceso, assuntando, querendo entender. Assim é que aprendi: observando. Mais, ainda, aprendi de oitiva, escutando sabedorias alheias e conferindo. Li, também, muito almanaque e revista e fui guardando na cabeça o que prestava. Estudo mesmo, estudei muito demais, mas aprendi pouco. Tome o que digo aqui como minha opinião, não mais. Se puder desmentir, desminta logo. Respeitarei sua opinião. Se não for bestagem rematada, acato. Nada contra.
Conheci muita gente considerada sábia e quis aprender com elas. Não deu certo. Os sábios são muito minuciosos. Cada qual sabe lá sua coisinha e ignora todo o resto. E o resto é o mundo inteiro. Eles são variadíssimos.
Há sábios para toda sorte de coisas. Sábios para bichos – os zoólogos; sábios para plantas – os botânicos; sábios para micróbios – os microbiologistas; sábios para gentes – os etnólogos; sábios para vinhos – os enólogos; até sábios para capins existem – eu não sei é como eles se chamam.
Também há sábios híbridos, que misturam sabedorias para ver se entendem melhor alguma coisa, como os físico-químicos, os químico-físicos, os biofísicos, os geofísicos e outros. Esses doutores formados, que falam com toda a empáfia da sabedoria deles, não são sábios coisa nenhuma. Quase todos são uns ignorantes, como a gente mesmo, só sabem coisas lá da cuca deles, com que ganham a vida.
Há muita gente especializada que, sem ser sábio, sabe alguma coisinha. O diabo é que, quanto mais aprofundam no saber do que sabem, mais ignorantes ficam o resto. Os advogados sabem como enrolar as leis para defender criminosos e ladrões, Vez por outra, defendem inocentes, também. Os médicos sabem algumas das doenças, mas ignoram as outras todas. São muito sujeitos à moda. Quando dão de operar amígdalas, arrancam as amígdalas de todo mundo. O mesmo fazem quando a moda é operar apêndice. Agora, acham que todo mundo está loucão e precisa de pílulas tranqüilizantes, ou psico-qualquer-coisa.
Para procurar médico, a gente precisa, primeiro, prestar atenção para ver que doença tem, senão gasta muito dinheiro à-toa. Ir a um otorrinolaringologista com dor nos rins é perda de tempo: eles só sabem de otites, de dor de garganta e de espirro desenfreado. Os ortopedistas encanam perna quebrada direitinho, mas não sabem nada de quem sofre do coração. Os engenheiros também são especializados demais: o que sabe fazer pontes, só faz pontes; o que sabe fazer casas, só faz casa.
Ás vezes, até penso que quem sabe mesmo é o povo, ou as pessoas que não sabem nada. Mas cada um se vira com o pouco que sabe para ganhar a vida. Se todos os sábios do mundo desaparecessem amanhã, não fariam muita falta. Se o povo acabasse, isso sim seria um desastre. Os sábios morreriam de fome e de sede.
Trate de aprender tudo o que puder. Saber demais não ocupa lugar. Ignorância, sim. A sabedoria anda solta por aí, para a gente aprender o que quiser. Ela está menos nos livros que nos fazimentos, por isso se diz que quem sabe, faz, quem não sabe, ensina.
Se o mundo fosse acabar outra vez, num dilúvio, que faria o novo Noé da barca, para salvar a humanidade? Escolha você entre duas soluções. A primeira seria pegar dez sábios de cada profissão, formados em universidades, e levá-los para uma morraria deserta com seus livros e instrumentos de trabalho. A segunda seria catar na feira uns mil feirantes com suas mercadorias e carregar para o mato. Quem salvaria a humanidade?
DARCY RIBEIRO – NOÇÕES DE COISAS – 1995 – PÁG. 09-11
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