Areias
'Não aprende, senhor, na fantasia
Sonhando, imaginando ou estudando;
Senão vendo, tratando e pelejando.'
Sonhando, imaginando ou estudando;
Senão vendo, tratando e pelejando.'
Você que lá leu o Camões inteiro diga lá se há nele coisa melhor que esta – mais sabia, mais profunda, mais “pedagogia moderna”. Reduz tudo ao ver, fazer e insistir. Ao ler no livro da vida, em vez de nos de papel. Ao ver com os nossos olhos, em vez de com os olhos dos outros. Ao pensar com a nossa cabeça, em vez de pensar plagiariamente.
E parece que Camões escreveu esses três versos para nós dois, Rangel. Nosso mal é que já apuramos o nosso instrumento de expressão, já sabemos jogar um período para o ar e vê-lo, qual um gato, cair sobre os quatro pés. Pegamos toda a técnica do escrever e educamos o nosso senso de observação – mas vivemos embolorados dentro de caixa. Esta Areias é uma caixa e essa tua comarca é outra. Nossas cartas são como o rabinho de rato que Hansel mostrava para a velha feiticeira. Somos a velha feiticeira um do outro. Você estira o rabinho de rato epistolar para que eu veja como está gordo e forte no estilo; eu faço o mesmo. Mas que assuntos que temas, podem existir dentro de caixas?
Estamos como içás que derrubam as asas e afundam no buraquinho. O destino me deu este buraquinho de Areias e a você deu o de Machado. E invejamos Loti, o homem dos mares e do Japão. E Kipling, o homem todo Índias, todos jungles, todo Himalaias, todo feras. A única fera daqui é um pobre facadista barato. “Fulano é uma fera!” diz o Julinho. E a tua fera na vida, Rangel, o teu Mugger do Mugger Ghaut, é o chapadissimo Fernandes...
Somos uns pelicanos, Rangel. Vivemos a arrancar penas, carne e coisa de nós mesmos para que não morram os nossos pobres filhinhos literários. Os artistas subjetivos que só tiram de si em vez de tirar do mundo que os rodeia, ficam introspectivos em excesso e acabam satisfazendo a um público muito restrito: a si mesmos. Mas os artistas objetivos, os Kiplings, sugestionam e fazem estremecer de emoção grandes platéias – e o aplauso da platéia é o feijão com arroz de todos os artistas.
Casados, sem fortuna, com a coleira e a corrente do “ganhar a vida” pressa ao pescoço e metidos na caixa de Hansel e Grettel, de que modo atendermos ao mandamento de Camões, do “vendo, tratando, pelejando?”
Lobato
Monteiro Lobato - A Barca de Gleyre
2 comentários:
muito interessante. muito bom.
abçs.
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