"Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor". João Guimarães Rosa

29 março 2021

A saga de um tal de “João de Santo Cristo” em Berlin Alexanderplatz

E um dos selecionados ao Óscar de minha filmografia íntima de 2021 é “Berlin Alexanderplatz”. Originalmente é um romance, adaptado para uma série de TV por Rainer Werner Fassbinder e, depois, reduzido a um magnífico filme de Burhan Qurbani, o que cito.


Arte é forma e não conteúdo. E é pela sua forma que se torna acessível a todos e com matizes e camadas de explorações diversas. E, esse é o caso de “Berlin Alexanderplatz”. Filme que poderá ser visto diversas vezes e por públicos múltiplos.

Quem conhece Berlim, com certeza, passou por essa praça que dá nome ao filme. E onde uma grande parte do enredo ocorre em seus arredores.

O filme fala de um refugiado sem pátria e negro sobrevivendo na cidade de Berlim. Então, como não dará para explanar tudo aqui sobre o filme. Irei apenas citar os tópicos que me fizeram eleger ele, o FILME:
✔ Um refugiado perde a sua identidade, a sua raiz (ele teve diversos nomes e o último que consegue, e se jubila por tê-lo, por ser o suposto passaporte para a sua liberdade em território alemão, tem o sobrenome de macaco dado a ele por um branco alemão).
✔A exploração do trabalho escravo de refugiados ilegais em pleno centro político da Alemanha. Esse é um tema da qual exala em mim o “homem revoltado” de Camus. Aqui, temos por exemplo, mas só exemplo, pois são inúmeras as formas de escravidão que usamos modernamente nessas terras e são consideradas legitimas, o favor, que vem como forma de explorar o trabalho alheio não renumerado. Entretanto, esse é um tema para outras postagens.
✔Fora da escravidão regulamentada pelo Estado moral, sobra a opção da prostituição e o aliciamento ao universo do tráfico de entorpecentes. Tão degradante quanto a anterior.
✔ O projeto de ser um homem bom, num ambiente da “insustentável leveza do ser” ou mesmo, da dificuldade que temos na existência de “Separar o joio do trigo” na esfera do bom e do mau. Como muito bem reflete Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas, sobre a figuração do mal e do maligno na figura de Hermógenes, o bem e o mal estão misturados na mesmo ser, mesmo naqueles seres mais perversos.
E o Hermógenes do filme é Reinhold Hoffmann. O ator se esmerou para fazer esse personagem.
✔ E o filme explora outros temas, como o encontro, a esperança, o reinício a cada novo ciclo dessa montanha russa que é existir. E sem hipocrisia! Na sobrevivência no meio deste vale de lágrimas, falar de filosofias é uma coisa, viver de verdade são outros 500. Se quer entender do que estou falando, veja outro filme “O poço” ou a série “Expresso do Amanhã”.

“E João não conseguiu o que queria
Quando veio pra Brasília, com o diabo ter
Ele queria era falar pro presidente
Pra ajudar toda essa gente que só faz
Sofrer” (Legião Urbana - Faroeste Caboclo)