"Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor". João Guimarães Rosa

29 novembro 2004

A COR DA PELE - COMPREENDENDO A POESIA DO LIVRO A "A RODA DO MUNDO"

O elemento negro no poema não é produto da ornamentação vocabular, o que apenas denotaria certo exotismo tão ao gosto de poetas de linha romântica. O negro como produto da ornamentação vocabular acaba por dar origem a uma poesia (...) que é ‘macumba prá turista’. (...) O elemento negro no poema, íntimo ou histórico, social ou racial, é antes sujeito ou objeto de reflexão do que arabesco de decoração. Enquanto reflexão, apela para a consciência crítica do leitor e para a revolta contra o estado passado e presente.
Para o poeta negro a cor do vocabulário não tem importância, ou não tem importância que a ela emprestam os ‘estudiosos brancos’ da questão negra nos trópicos.
O homem se descobre negro na tessitura da pele, e nesta vê as marcas da escravidão e do degredo, e sente os sofrimentos e a Mãe-Africa.
A cor do vocabulário importa para o folclorista, o antropólogo e o poeta branco. São estes que visam a preservar através de um discurso condescendente, piedoso, cientifico e reparador, os crimes e injustiças cometidas pelos próprios brancos contra os negros, e acrescentemos: contra os índios. São ele que insistem em guardar as relíquias da destruição, num desejo de preservação póstuma por parte da cultura branca dominante.
O poeta negro sabe mais do que a cor das palavras e o valor das relíquias póstumas.
A cor da pele é marca indelével que não se apaga com os bons sentimentos humanitários ou patrióticos, nem com a política paternalista dos governadores ou populistas de oposição. Por isso é que o elemento negro não é relíquia ou simples vocábulo (...).
As referências culturais são vagas e apagadas para o negro no Brasil, ao contrário do que acreditam os nossos cientistas sociais, imbuídos da teoria do mulato tropical. "sua voz fálida/ pelas portas adentro". Tão vagas e apagadas são que elas apenas servem para construir o "preto de alma branca".

Constituído para não ser, o negro teve de incorporar os valores brancos, dados como positivos, para poder aparecer sócio - economicamente. A alma branca é a aparência que resguarda o negro da violência e do anonimato e que baliza as suas ações comedidas e mesquinhas, controladas. Combatendo as falsas aparências, Adão insiste para com que o negro assuma a sua alma negra e vire o que é na pele, um negro, buscando assim uma identidade que escapa às pressões da sociedade cordial.

Nomear o aviltamento do negro pela escravidão é a única maneira de poder construir o negro como não ser no passado e como identidade social a ser construída no presente. Tudo isso sem as peias da ideologia da cordialidade.

Vale Quanto Pesa – A cor da Pele – Silviano Santiago – Paz e Terra – pág. 121-125

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