"Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor". João Guimarães Rosa

18 setembro 2005

REFLETINDO SOBRE A EDUCAÇÃO HOJE

SABER COMPETITIVO
Já é um virtual consenso o de que o principal insumo para o crescimento econômico nos próximos anos será o conhecimento -e falamos aqui de conhecimento especializado e de alto nível. Não é por outra razão que, cada vez mais, países estão competindo por cérebros. Não se trata apenas de produzir mais e com menos custos -tarefa em que os asiáticos hoje parecem imbatíveis-, mas, principalmente, de fomentar o processo inovador da maneira mais inteligente possível.
Nesse contexto, universidades adquirem importância vital. Não é exagero afirmar que os países que se mostrarem capazes de manter as melhores universidades terão garantido um lugar proeminente no competitivo mundo globalizado. Também não há muita dúvida de que, hoje, essa corrida está sendo vencida pelos EUA. Com efeito, a maioria dos rankings são esmagadoramente dominados por instituições norte-americanas. Na já clássica lista elaborada pela Universidade Jiao Tong, de Xangai, que combina indicadores como prêmios Nobel e citações em periódicos de primeira linha, universidades dos EUA ocupam nada menos do que 17 das 20 primeiras posições.
É claro que os critérios usados são sempre discutíveis. E é evidente que valorizam as chamadas ciências "duras" -aliás, para os efeitos de que trata este editorial, as ciências humanas são quase irrelevantes. São, porém, os critérios disponíveis. Ainda que configurem um pálido retrato da realidade, dizem mais do que a atitude, tão comum entre os que não querem ser avaliados, de simplesmente decretar a incomensurabilidade dos modelos e escapar à crítica.
Como observou em recente editorial a revista britânica "The Economist", o maior derrotado nesse processo é a Europa, que, até algumas décadas atrás, ainda abrigava as melhores universidades do planeta. É até possível que os EUA não consigam sustentar sua atual posição por muito tempo, e, embora a Europa busque recuperar o terreno perdido, países como Índia e China parecem ameaças mais verossímeis para a hegemonia norte-americana.
O diagnóstico da revista é o de que as instituições européias naufragaram por não ter conseguido adaptar-se aos novos tempos. O fracasso se deveria principalmente às limitações na forma de financiamento das universidades européias. Enquanto suas congêneres americanas buscam recursos em várias fontes como governo, taxas pagas por alunos, doações e convênios com empresas privadas, as instituições européias dependem quase que exclusivamente do Estado.
Esse modelo revelou-se inadequado para responder à sempre crescente demanda por educação superior. O poder público passou a exigir que a universidade "processasse" cada vez mais alunos, sem, entretanto, ampliar-lhe as verbas proporcionalmente. O resultado foi a deterioração da qualidade. E, como as universidades dos EUA estavam em melhor situação, passaram a atrair melhores nomes, mais alunos estrangeiros de primeira linha e, conseqüentemente, mais recursos. Em uma palavra, mostraram-se mais competitivas.
Não é por acaso que são justamente as universidades britânicas, que seguem um modelo mais próximo do das norte-americanas, que ainda mantêm a Europa no ranking das melhores instituições.Enquanto o mundo se envereda por esse tipo de discussão, no Brasil ainda se debate se escolas que se saem mal em todas as avaliações devem receber dinheiro do Estado para assegurar vagas a alunos que não obtêm lugar nas boas instituições.
EDITORIAL DA FOLHA DE SÃO PAULO 18/09/2005

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