"Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor". João Guimarães Rosa

18 outubro 2004

FLOR DA MORTE - HENRIQUETA LISBOA

Qualquer coisa, que eu escrevesse neste blog, na tentativa de elucidar, sobre a obra de Henriqueta Lisboa, seria mera repetição, pois a UFMG disponibiliza pela internet boa parte do acervo da escritora: Vida e Obra, Antologia, Recepção Crítica, Correspondência. Diga-se de passagem, muito bem elaborado. Não deixem de visitá-lo: HENRIQUETA LISBOA
Segundo Carlos Drummond de Andrade, Flor da Morte, de Henriqueta Lisboa, escrito em 1949, é dos raros casos, na poesia brasileira, de um livro de versos que constitui, organicamente, um só poema. E o constitui, sem recorrer ao mero expediente formal de agenciar todos os versos numa composição de amplos limites, dividida em cantos regulares. Suas páginas abrigam aparentemente as produções mais variadas, cada uma delas com título próprio, e com estrutura diferenciada, dentro da rítmica peculiar à autora nesta sua fase. Os 'temas', a julgar pela maioria dos títulos, parecem ainda distintos uns dos outros; o pássaro de fogo, as jaulas, o véu, a rosa príncipe-negro, Nossa Senhora da Pedra Fria. Contudo, uma só é a matéria do livro, como é única a sua essência, a inspiração que o ditou, o clima espiritual em que foi elaborado, única a preocupação de quem o escreveu, ou, melhor dito, de quem o viveu. O livro de Henriqueta Lisboa é uma persistente, ondulante e apaixonada meditação sobre a morte. Quase que o poderíamos chamar: tratado poético da morte."

Por que a freqüente presença da morte como tema em seus trabalhos?
A morte é uma realidade inevitável e inenarrável, tanto quanto misteriosa. Por isso mesmo nos instiga a inquiri-la e enfrentá-la superiormente. E quem nunca foi ferido por ela?
Entrevista concedida a José Afrânio Moreira Duarte em 1970
Diário de Minas, Belo Horizonte, 5 jul. 1970.

E o tema da morte foi outra obsessão, parece. A senhora foi chamada, inclusive, de "Poeta da Morte". "À paisagem do morto nada falta de cômodo. /A paisagem do morto é insípida." Hoje, com 80 anos, mudaria a abordagem do tema?
Em certa fase de minha vida, em virtude de dolorosas ocorrências, este assunto se tornou explosivo. Celebrei-o em Flor da Morte, depois de abordá-lo em A Face Lívida, texto de angústia e perplexidade, à época em que se alastrava a 2ª Guerra Mundial. Todavia, tenho visado de modo constante a essência do ser, a substância do vital, a ansiedade humana em busca de perfeição e infinito, os mistérios da natureza, o relacionamento entre a alma e Deus. A cada tempo o seu cuidado. Em cada livro meu predomina um tema, prevalece um clima. O Menino Poeta constitui a revivescência da infância. Madrinha Lua e Montanha Viva interpretam e comemoram tradições mineiras. E assim por diante. Hoje, não me sinto propensa a desafiar a idéia ou o sentimento da morte, como fiz em outra época, em termos de mediação entre a fatalidade e a resistência.
Entrevista concedida a Edla Van Steen
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 5 maio 1984

Silêncio da Morte

Silêncio da morte, perfeito
como uma flor e seu cálice.
Nudez de céu de ponta a ponta
azul sem mácula.
Neve por toda a eternidade
consumada nos píncaros.
Silêncio da morte, campo
de ópio. Adormecedor
balanço entre margens.
Anjos que se debruçam e alçam,
confundindo-se com os turíbulos.
Contemplação beatífica
de ciprestes. Gozo
do vácuo.
Silêncio da morte, pavor
das furnas. Trágica escassez
de cinzas. Fera
de olhos oblíquos espreitando
a ampulheta.
Impossível recuo. Tempo máximo.
Salto de corpo ao mar,
urgente, urgente mar
sobre a presa, fechando-se.

Um comentário:

Anônimo disse...

sou um admirador dos poemas de Lisboa,em especial "Flor da morte".Gostei do artigo sobre a poetisa.Abrçs Fernando Drexon